_ refrigério_
[Estação de Recreio]
mãe tem uma coisa doendo dentro de mim!
minha avó corria no quintal, onde jardim e horta era uma mistura só, margaridas amigadas com alface, couve casada com girassol, cebolinha verde pensando que era flor só porque crescia junto das rosas de santa terezinha, e voltava estabanada, penca de ervas nas mãos: - alecrim, cidreira, capim santo, quebra-pedra...
tudo catado no cuidado para fazer infusão.
celina, uma negrinha de canelas finas, tomava rumo e ia chamar dona sebastiana, que sabia as benzeduras mais fortes, era de fé na cidade.
a casa inteira velando, meu vô desfiando jaculatórias nas contas perfumosas de seu rosário:
- nossa senhora do socorro perpétuo... tende piedade de nós!
pai espiava de olho esticado, escrito na cara:- dó!
a coisa doía todo mês, dias contados na folhinha pregada na porta da dispensa, vinte e oitos dias sim, vinte e oito dias também.
que nem o noturno da leopoldina nunca faltava, podia até atrasar algumas horas,mas chegava.
ah!... como chegava.
depois das rezas e chás uma parte aliviava.
tinha um resto que ficava doendo até o fundo da alma, era dor esquisita, dessas que a gente nunca consegue segurar com a mão.
dessas que dão confundimentos do lugar que dói.
eu amuava, prosa sumida.
desensofrida vesgava meu olho esquerdo, corpo encolhido.
um dia, meu pai não segurando mais sua compaixão mandou chamar dr. darcy, ele me apalpou, me re-virou, e nada de encontrar aquela coisa que doía.
febre não dava, mas eu dizia:
-é calor doutor, queima cá no fundo de mim
-é ardidura doutor pegando fogo lá dentro
ele no viés do riso, deu de falar:
“- tem jeito não... só passa quando casar!"
minha avó corria no quintal, onde jardim e horta era uma mistura só, margaridas amigadas com alface, couve casada com girassol, cebolinha verde pensando que era flor só porque crescia junto das rosas de santa terezinha, e voltava estabanada, penca de ervas nas mãos: - alecrim, cidreira, capim santo, quebra-pedra...
tudo catado no cuidado para fazer infusão.
celina, uma negrinha de canelas finas, tomava rumo e ia chamar dona sebastiana, que sabia as benzeduras mais fortes, era de fé na cidade.
a casa inteira velando, meu vô desfiando jaculatórias nas contas perfumosas de seu rosário:
- nossa senhora do socorro perpétuo... tende piedade de nós!
pai espiava de olho esticado, escrito na cara:- dó!
a coisa doía todo mês, dias contados na folhinha pregada na porta da dispensa, vinte e oitos dias sim, vinte e oito dias também.
que nem o noturno da leopoldina nunca faltava, podia até atrasar algumas horas,mas chegava.
ah!... como chegava.
depois das rezas e chás uma parte aliviava.
tinha um resto que ficava doendo até o fundo da alma, era dor esquisita, dessas que a gente nunca consegue segurar com a mão.
dessas que dão confundimentos do lugar que dói.
eu amuava, prosa sumida.
desensofrida vesgava meu olho esquerdo, corpo encolhido.
um dia, meu pai não segurando mais sua compaixão mandou chamar dr. darcy, ele me apalpou, me re-virou, e nada de encontrar aquela coisa que doía.
febre não dava, mas eu dizia:
-é calor doutor, queima cá no fundo de mim
-é ardidura doutor pegando fogo lá dentro
ele no viés do riso, deu de falar:
“- tem jeito não... só passa quando casar!"
quero a horta-jardim de minha avó, o rosário-bento de meu vô, corra negrinha celina.
vem cá dona Sebastiana?
o trem da leopoldina tá apitando aqui:
ó pai...
ó mãe...
tem uma coisa doendo dentro de mim!
vem cá dona Sebastiana?
o trem da leopoldina tá apitando aqui:
ó pai...
ó mãe...
tem uma coisa doendo dentro de mim!
anadeabrãomerij
****
_ desnecessIdades _
hoje acordei-me com vinte anos. falsos os espelhos que emolduram este rosto, este corpo, esta cara com linhas e travas. nem bem comecei a festa e já me dizem da hora final.ainda nem resolvi o que vou ser quando crescer, ainda não terminei meus sonhos, ainda não completei meus amores, ainda não provei dos sabores. perversos espelhos, cruéis todas as íris que me refletem, porque mentem, porque mascaram a menina que ainda sou nesta mulher madura, apenas cantada nos versos de um poeta louco, que disse um dia:- a mulher madura está pronta para algo definitivo.
não eu, poeta. as memórias que carrego foi a história quem contou, não vivi pearl habor, meus seios ainda nasciam quando 64 se escrevia em letras de horror, se gemia , era por eles, pequeninos e atrevidos, estufando minha carne criança.
não venham me dizer que a hora dos beijos ardentes, acabou.
não é justo este constatar pálpebras marcadas nos meninos que amei, perceber a calvície nos homens que desejei fortes e másculos, hoje flácidos, dolentes por sossegos de velhices.
quando foi que me desatei do tempo?
estes meus vinte anos estão retidos onde?
já não sei onde estou- passado e futuro uma só estação, retornâncias nascidas da senilidade, ou brava resistência de nunca madurar?
acho que sim, acordo me querendo ontem e assusto-me com a madureza gravada no riso que marca linhas em minha face, nas estrias riscadas no meu peito, no opaco que tingiu o brilho de meus olhares, na vagareza de meus andares.
sou esta mulher madura, estranha e desconhecida de mim, gritando na insônia que me pega até duas da madrugada,
esticando as mãos para agarrar os sonhos descendo pelo ralo da vida, as carnes maceradas pelos trancos dos anos, que nem vi passar.
espanto-me em flanar despercebida diante os olhares do mundo, fêmea invisível.
ainda desejo um assobio, um galanteio, um suspiro, mesmo que seja do moço sobre a escada, lavando as vidraças de meu prédio.
ainda me quero alvo de um assédio.
este existir sem perceberes traz um sentimento de morte em efígie machucando a feminilidade que permanece inteira e plena dentro de mim.
não cederei às desistências, quero ser desejada, quero deixar um rastro de perfume por onde passar, e não ser apenas uma anônima mulher que passou pela calçada, como se passasse nada.
não me confortam frases de efeito, que a sabedoria vem com a maturidade, mentira, vem sim uma doída vulnerabilidade.
acometem- me todos os medos, as perdas vão ficando maiores e catalogadas.
betinho, o menino do primeiro beijo, enfartou na varanda de sua casa, olívia definhando na quimioterapia por um câncer de mama, carlos que não resistiu ao aneurisma cerebral, chico sequer disse adeus, jacinto sem quê- nem por que: - virou horizonte... estão partindo todos, minha gente morrendo, à revelia da ciência que nos garante acréscimo de anos, que definiu novas marcas para terceira idade.recuso tamanha e falsa generosidade.
renego este estar pronta para o definitivo.
não estou e nem quero estar.
pronta estou sempre e somente para a incomensurável capacidade de amar.e se querem saber, não vejo poesia alguma em madurar, detesto esta placidez instalada nos meus gestos, esta tolerância que os anos gravaram sem minha outorga, este jeito senhora de estar.
ainda desejo nadar nua sob quedas d'água, ainda vou rolar corpos em capins rosa - chá, ainda soltarei meus cabelos ao vento, ainda quero pegar meu amado pelas mãos e viver noites de kama-sutra, ainda quero desbordar.
na praça de siena já adejei com andorinhas.
não quero ser uma doce e sábia anciã.... por favor me detenham, antes que chegue lá.
como derradeiro consolo, aceito a conquistada prontidão para ir a Grécia, independente deste insuportável madurar!
anadeabrãomerij
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário, envie sugestões.
Obrigada!