segunda-feira, janeiro 10, 2011

_ do tempo, e das contingências _



alquimia de pedras e incertezas, é sal e vinagre
na homilia das horas, a construir-me pelo avesso 
lavratura do tempo, em sua cor ferrugem e acre

milhas de letras dos dias escritas em meu rosto
que a vida com sua afiada adaga riscou com calma 
enquanto toca suas mãos rudes em meu corpo

a palavra é esta dor, chumbo derretendo-me
que atravessa impetuosa a moldura vazada da alma
e, todas as predestinações acontecendo-me 

submissa,levo os dias restantes neste precipício
sem qualquer pegada, sem marcas, sem lastros

o poema que escrevo, jamais termina
a inexorável finitude em cada verso rumina
revel de mim segue seu próprio rastro

 do tempo nenhuma unidade se apura, é ruptura incessante: 
- parei de viver o tempo, pratico instantes!

anadeabrãomerij
10.01.2010

domingo, janeiro 09, 2011

_ toccata_


não  apenas uma palavra liquida
qual orvalho,qual bolhas de vidro
a regar o jardim,a molhar da paisagem seu rarefeito perfil
gotas na tez das nuvens,a cortar o tempo que me habita  

é muito mais, é esta voz da alegria
calada,a dizer somente suspiros pianíssimos
nos cantos do vento com gostos de mortes

é um poema cego a perseguir a luz
pelas mãos da manhã,pelas retinas do sol
não é apenas a sombra deste cego olhar
pousado nas planícies mudas dos gestos
os dedos tocando breve a silhueta do ar

é mais, muito mais...
são palavras a pastorar esperanças
e, são versos a resgatar lembranças
é mais, muito mais...
é o poema a escavar do silêncio a nossa historia

[exausta, aliás... de tanto esperar.]
anadeabrãomerij
09/01/2011

quinta-feira, janeiro 06, 2011

 _ onde a verdade?_




para descobrir a verdade...
quisera trocar a pele de algumas almas
para desnudar, sobreTudo a verdade dos não ditos
mascarada entre as curvaturas doentes de seus corpos


para descobrir a verdade...
quisera  rasgar suas palavras com a adaga das horas
romper as muralhas de suas faces impávidas e gélidas 
anunciar suas mentiras ocultas no vazio de seus ossos
atravessar suas margens torpes,escancarar suas portas

sem medo, sem pudor, sem quaisquer intromissões
quisera devassar até as fimbrias,as vértebras de suas linguagens
revelar seus falsetes, invadir suas letras malsãs,decretar interdições
e,  libertar a palavra cativa para o vôo etéreo de sua real linhagem 

[para descobrir a verdade!]
anadeabrãomerij

terça-feira, janeiro 04, 2011

_  nó górdio _


no livro de rezas guardei centenas de pecados e exauridos vícios
como o velho e cansado rio que atravessa as ruas de minha infância
dentro de suas orações pálidas uma flor de malva e um lenço, ainda úmido:
- restos das lagrimas, pelo esguelhar de anjos tortos, nunca vistos

está morto o livro de rezas, em cima da mesa, em esperas de sepulcro
dele saltam mil fantasmas que nunca velei, almas das minhas certezas

se  a fé retornar  nas vozes do jardim, na tez das janelas, nos olhares do casa
ressuscito-me no  credo , resgato meu Jesus Cristinho,faço preces na catedral
rogo sossego das dores,suplico amparo e perdão,benzo-me  com a água sacra
crio asas,vôo -me borboleta,pinto um azul irremediável , escrevo um madrigal

[a nossa miséria só a nós nos diz, aos demais ,nem manchete de jornal!]
                                                 
anadeabrãomerij
30/12/2010


segunda-feira, novembro 15, 2010

_ sozinhez é o ventre do mundo _



no ossuário da paixão
nasce o poema como argamassa
molhando meus passos como se orvalho soturno

molha as palmas das palavras
molha as pálpebras da escrita

molha-me....
como se chuva ao girassol  

da morte da semente
nasce o poema em sua lápide
olhando meus olhos como se um canto funebre
vagarosamente, como quem tem algo nas mãos
e já não tem nada

olha-me...
como se em prece aos lírios findos
queda-me:
-eu cavo, eu rezo, eu fio

no caminho triste do que ainda é talvez
em réquiem, eu fuso:
[- sozinhez é o ventre do mundo!]

anadeabrãomerij

sexta-feira, novembro 12, 2010

_ xícara -cheiro-memória _


... chegas no fundo da xícara.

como se estivesse sempre, afagando meus seios, beijando minha face, levantando minha saia.

o cheiro de café passando me adoça, enquanto no chuveiro tua voz cantarola alegrias de quem se prepara para amar, logo daqui agora mesmo.
um arrepio no bico do peito anuncia que é já. 

 
a loucura veio de vez mesmo, ó meu Deus!


dou de me achar nos móveis, nas coisas, tocando o encosto da cadeira que um dia compramos para aquele canto-canhoto da sala de estar, apalpando nossas iniciais desbotadas na cambraia ainda vigorosa dos lençóis, no espelho bisotê, resultado de caminhadas impacientes entre um e outro antiquário.


permeio-me... permeio-te, por entre nossos objetos.


nunca entendi bem porque me possuem de tal forma, apenas resigno-me com estas todas insanidades, não sei o mecanismo para impedir.


literalmente , elas me invadem!


na invasão trazem misturados, uma paineira centenária lá de Viçosa, o perfume das fraldas alvejadas ventando no quintal, brinquedos esparramados pelo corredor, mamadeiras, o suor da terra esquentada pelo sol de duas horas, onde a grama que plantamos  embirrou de não vingar... o cheiro do teu corpo no meu corpo.

tudo ecumenicamente agregado, incensos perfumosos, rezas e chás de minha avó para tirar dor de cólica, mãe salpicando confeitos no bolo de laranja saído do forno, as crianças riscando com rodas de patins os azuis de minhas horas, esta vontade de me encostar no teu peito sem nunca mais ir embora. 


minha vida desbordando pelas abas da xícara- porcelana-memória.


ganhei de minha avó, vou dar para meu filho, porque dentro dela mora o nosso rio.


a perenidade dos objetos afrontando minhas finitudes.


nos meus dentros, este vazio-chuva, chora-me! 


tudo ontem, tudo hoje , tudo agora!

onipotente, esta xícara me revira... esta xícara me devora.
anadeabrãomerij
[ lá dos ontens...]

quinta-feira, novembro 11, 2010

_ até a próxima encarnação _

no peito o verbo engasgado, um tapa na cara, a alma pálida
um poema  intoxicado a curvar-se para vomitar mentiras  gastas
para cuspir verdades mofadas,nos templos , nas tribunas, nas casas
debaixo da cruz,  das togas, dos tapetes, a sete chaves  lacradas

chagas  do dia antes de hoje, e do dia que será,herança amarga
como se , espinha de peixe a atravessar as gargantas das letras
sorvo, a qualquer semelhança dos justos,  meu total  desespero
e, uma palavra rubra e  afiada  dilacera -me página por página

assim que:
tantas vezes morri,
pelos estampidos dos vazios das pessoas
tantas vezes ressurgi,
em meio a multidão de ausências redentoras

por tal,
sou  esta falta de jeito,este verso com defeito
sem rotas, sem bússolas, sem direção
sou esta poesia a suspirar pela hora da morte :
                                        - até a próxima encarnação!

 [porém, dói!]
anadeabrãomerij

quarta-feira, novembro 10, 2010

_ fragmentos_


nada sei da palavra e suas ágoras
menos do pairar da fé por abóbadas de concreto

conheço sim a profundeza abissal da dor
aquela que brota em todas as páginas dos vazios
quando a última alegria pela casa ainda perfuma

conheço da solidão esculpida pelo cinzel do grito
que jorra lenta sobre os dias e escorre das veias
no eco perpétuo de todos os sentidos

colho-as no madrugar das tocaias do tempo
por isso escrevo lágrimas :- não poemas

anadeabrãomerij

terça-feira, novembro 09, 2010

_ das possibilidades de um poema_


posso tecer um poema ...com pedaços de nuvens,retalhos de ventos, fios do orvalho,sedas de mares,meadas de primaveras,linhos de noites ,plumas de pássaros,cambraias de lagos.


posso bordar um poema...com os olhos da saudade, com os dedos dos segredos, com as mãos do desejo. 


posso semear um poema...na terra amorada, no solo do cio, nos vales do gosto, nas leiras do gozo.


posso editar um poema...nas consoantes de silêncios aflitos,por entre vogais de vontades afogadas. 


posso sonhar um poema porto...com serenadas velas, tempestades amordaçadas,e a paz, ancorada em minha sala.


no poema;
-posso sangrar motivos, e este meu jeito chuva de ser, quase um grito!
anadeabrãomerij

segunda-feira, novembro 08, 2010

_ poema sujo de sangue_
grito esta  palavra jogada pelo chão,professo
sua face suja de quem andou mil voltas a colher migalhas
pelos bueiros e valas,ferida na alma por desterro dos céus 

 
de suas mãos escorre o  sangue de ventres mudos
que jorram das mortes fêmeas,e das chagas das meninas de rua
restos jogados nos lixões entre fezes e entulhos  

 
a palavra que professo brota nos veios da ignomínia
é podre,é purulenta,é nauseante,é cancerígena
 
fere o olfato da humanidade:-irrita sua hiprocrisia!
 
anadeabrãomerij

domingo, novembro 07, 2010

_ ossos e espinhos _

rasgo os pulsos e as artérias da Palavra,perdida
entre os silêncios de Deus,e seus mistérios escondidos
grito minha ira,entre três pai nossos e dez ave-marias
 
urge,
desarrumar memórias e revirar suas frestas
desmontar os dias e penetrar nas fissuras da Cruz
atravessar os espelhos ,descobrir as janelas
 
beber os últimos goles da água benta,velha e suja 
para escaldar a alma sem temor de encarar os santos
queimar a interdição dos pecados,afogar as culpas 
 
cuspir mil impropérios,como quem reza
lamber as chagas e cicatrizes da morte
 
roer
doer
vazar
cortar
sangrar em ritual
 
no altar dos ofícios,tomar a Hóstia desta ferida vertebral
 
anadeabrãomerij

quarta-feira, novembro 03, 2010

Adeus Amigo!
não mais o teu olhar de mel, espelho
das mil  caricias brejeiras desbordando  nos meus dias 
foi-se o doce repouso no aconchego dos teus pelos
sobram-me estas lágrimas,querido,porque  perdi tuas alegrias
e,
 minhas todas ternuras escorrendo vazias

obrigada Thor,
pela paz que escreveu em minha vida

obrigada Thor,
por cada despertar de luz , quando minhas horas mortas

fica :
esta saudade gravada pela casa e esta dor a arder no peito

fica:
minha  alma em desarranjo

adeus Thor:
- meu amigo, meu companheiro, meu anjo!

* 19/01/1988 /+ 03/11/2010
anadeabrão merij 


segunda-feira, outubro 25, 2010

_ síntese_
 o riacho miúdo despertando a aldeia adormecida
 guiava minhas palavras desde os idos da infância
 
 
como esta página branca onde cabe inteira uma vida
 
algumas frações de alegrias
os primeiros sulcos na face de minha mãe
a cozinha de minha avó
e,
o olhar já grisalho deste dia
 
 
viver é tão pouco,mero acaso
 
 
nada mais a dizer:
- a morte nos espreita de soslaio!
 
anadeabrãomerij

domingo, outubro 24, 2010


_   crepusculário  _
     [insetos que aparecem à boca do crepúsculo]
                  حشرات أنّ يظهر إلى الفم من الغسق
[tela Roi James]
uma brisa mareada nauseando a boca do crepúsculo
enquanto busco colher uma qualquer luz, que me foge
entre os amarelos de ipês, talvez as verdades de túmulos
insetos, no rosto da sobretarde esquiva, que já dorme


como demente atravesso a nado, esta inteira primavera
cravada de dúvidas, sem fôlego por prometidas eternidades
o cristo nos céus do rio é paisagem pétrea, nada revela


o que digo nasce com idades seculares, das mil mentiras contadas
meu verso traz a poeira dos falsos segredos, restos de iniquidades
e tu leitor és tão somente,assim como eu,apenas fuligem:
                                                                            ! miragem

anadeabrãomerij
  

terça-feira, outubro 19, 2010

_ no ar líquido, a natureza  morta _

[ الهواء السائل  طبيعة ميتة ]
[para RS]
[tela-robert-mapplethorpe-orchids-19881]
a orquídea branca sobre a mesa
 jaz
 dentre as quietudes de gestos lassos
carrega o funeral de nosso jardim para um qualquer horizonte
e,
afasta de mim
as tuas mãos que o cultivaram ontem 


um quê de angústia repousa nos entreAtos do tempo
nas veias das lembranças esta lágrima qual chuva
 lava as palavras
e,
rega a intimidade de meus pensamentos


 ternuras cansadas repousam pelos vãos do verbo
a orquídea branca é somente um elemento insignificante
compondo a paisagem das memórias


no ar liquido de nossa  história, restou somente a certeza:
- somos esta natureza morta!

anadeabrãomerij

sábado, outubro 16, 2010

_ o que não tem resposta...sangra _
         لم يرد عليها

era uma vez um lar, meu deus
primeiro o desespero do susto, o miolo da alma a se esgarçar
depois a imensa crueldade do vazio de quando se perde tudo

era uma vez ,ó  pai
teus abraços largos ,teu remanso,teus passos
a melodia do teu chaveiro assobiando alegrias
a inocência menina na vertigem das folhagens
a poesia declamando o verbo dos nossos dias

era uma vez uma casa , meu deus
noites inteiras para adormecer sonhos em  azuis
dias assanhados vestidos em vermelhos e vessis
desenhados nas janelas,nos corredores,no pomar
  
todas as respostas sobre o linho,na sala de jantar

era uma vez...meu deus

sobrou esta dor cravada na vida,esta pergunta que não cala
_ mais nada!
anadeabrãomerij

sexta-feira, outubro 08, 2010

 _ colóquios insanos  _

algo me diz que esta palavra já passou por aqui
com seu desamparo, e sua tristeza sem fundos
com suas retinas gastas, com sua dor sem fim

algo me diz que temos pertencimentos, irmãs por sina
que este tanto desamparo, este não caber nos ombros do mundo
são nossas vozes a sangrar as letras da vida em agonia

algo me diz que esta palavra, nasceu de mim
e que devo repeti-la, sem buscar qualquer sentido
feito esta tarde que agora me verga em desalinhos
qual vendaval a revoar as bainhas do meu destino

sei que esta tarde de agora
já passou por mim numa qualquer hora
não me perguntem quando, nunca tenho respostas

anadeabrãomerij

quinta-feira, outubro 07, 2010

_ onde, outrora..._
 
[a própria existência nos mira de soslaio/in mistérios  dolosos]
 

de mãos postas um poema clama em contrição, entra nas fissuras do dia
e grava em minhas retinas sombras das  palavras emudecidas
a fugir entre meus dedos
como se pedras, lavro-as
sob o cinzel, quem sabe digam o que não sei, confidentes que são da memória

neste mosaico intangível
tudo conduz a lucidez que precede ao caos
as veias do ontem sangro-as ,a pastorar o mastim, para colher respostas

porque hoje, apenas ecos perdidos da escritura gravada no livro d'outrora

da vida, este existir fugaz, bebo os prenúncios de nascituras mortes
as imagens  não patenteadas, como linho volátil se desfazem tal qual folhas secas sob a brisa 

ao vento arisco tudo que foi dito se desfolha:
- palavras sem rumo
-versos sem norte

onde escavar?
onde  doer?
onde descarnar a duvida que fere?
onde saciar este nada saber que me devora?

 pouso   as letras  neste  sopro sem chão
sem trilhas
 sem marcas
 sem margens

tudo é tão indecifrável como  é  o inventário do silêncio 
 a embalar as sobras do que foi um dia  ternuras sólidas [?]
 impondo aos meus olhos o que não tem raízes
o que a vida impiedosamente degola

um clamor  descalço pisa  meus escombros
 indiferente a esta dor
sinfonia  de prantos
talvez,
se pudesse calar todas as dúvidas

mas,
cabe ouvir o vazio
mastigar as páginas  inócuas
recolher a mudez-rubra que tange incessante
gota a gota  
hora por hora 

cabe ouvir a epifania do silêncio, onde mora o segredo do graal
-cabe! 

[cabe  sufocar a lágrima  deste  poema e estender seu coração ao sol.]
anadeabrãomerij

quarta-feira, outubro 06, 2010

_ breve II _
[in breviário amoroso]
no pessegueiro rosa repousa teu olhar
tuas mãos passarinhas afagam as floradas do amanhecer
e,
 todas as primaveras solam cantigas de amorar
ouço
os sorrisos do vento
leio
os bailados do dia
recosto minha solitude na claridade breve de tua poesia
tudo é bíblia
 tudo é magia
anadeabrãomerij

terça-feira, outubro 05, 2010

_   breve I __       
 
[in breviário amoroso]
 
 
plantei seis pés de primaveras nas retinas de minhas janelas
semeei centenas de borboletas bailarinas,e algumas partituras de mil sabiás
 
quando amanhece,
nos olhares de meu quintal:
-o dia espreguiça verde em folha pelas alfazemas do varal
 
anadeabrãomerij
 

segunda-feira, outubro 04, 2010

_ intervalos do sentir_ 
[tela HILARIO TEIXEIRA LOPES/alegria de viver]
[canto terceiro]
o dia dança 
e, desenha alegorias de esperanças
com letras das inocências de crianças
nos olhares do sol
 ideogramas candeeiros luminam encantarias
 rasgam minha tristeza terçã
quem escreveu a alegria no rosto desta manhã? 
anadeabrãomerij

domingo, outubro 03, 2010

_ intervalos do sentir _
[canto segundo]
meu pai plantava uma roseira ao nascimento de cada filho
e, 
plantava outras 
 a cada aniversário de suas crias
sempre que chega a primavera
dentro do roseiral florido e pelas asas de borboletas
paira a eternidade de seu livro
nesta saudade que não finda
nas delicadas letras de cada pétala
 releio suas amoradas poesias
anadeabrãomerij